Amigos na doença
O meu pai, a quem o sorriso a palavra e o gesto amigo nascidos da presença do outro nunca faltaram, está doente. É a sua sombra, que numa cama de hospital o teima, tentando encontrar nesse lugar de circunstância, terreno onde lançar a semente da sua entranhada condição de ser marcadamente social.
É comovente a inquietação do olhar em busca de outro que o acolha. Não está sozinho na sala de medicina interna que ocupa. Os quatro internados onde se inclui, são idosos, sendo que o mais próximo ainda fica longe do seu desgastado ouvido. Mesmo assim, e quando os olhares se ligam, atreve-se ao diálogo; As palavras desafiam a distância sem complementos de gesto nem sorrisos; apenas palavras: as que o digam e as que tragam o outro para dele saber. O afastamento e a doença condicionam o discurso e fazem-no telegráfico. Por entre as inúmeras hesitações do ouvido, o meu pai consegue dele a informação elementar: o nome, a idade, a terra onde nasceu, a ocupação profissional e a doença que o prende à cama.
Juntá-lo-á à infindável lista de amigos que os noventa e cinco anos de vida lhe foram oferecendo, e que a memória conserva com orgulho.