Danças de fugidia luz
A obscura mensagem dos sentidos,
O inquieto labor das emoções
Que voluteiam a sua imprecisão
Em danças de fugidia luz.
No turbilhão do círculo, sílabas fugazes
Ensaiam fortuitos acordes.
A música ilumina a palavra
Que nasce serena e clara,
E a bonança regressa nas asas do poema.
Navegações
Sem flor nem luz
Navega-me o leme do vento
Nos mastros nus.
A estreiteza do rio apressa a vida
E a foz desenha-se sem brilho nem glória.
Esmaga-me o algodão do relógio
E o desejo naufraga
Na tormenta do tempo.
Sobressalto
Procuro o sobressalto das palavras.
A surpresa da sua transparência sombria.
Que sejam pontes, barcos,
Pétalas perenes nos canteiros do vento.
Que a sua música permita
A dança dos Espíritos.
E o seu perfume
Rescenda o ar do seu dizer.
Flor de Outono
Os ramos acenam serenas despedidas
E em cada árvore se acende
O esplendor da decadência.
Há uma ânsia de terra
Na palidez das folhas.
Um desejo cinzento.
Um voto,uma certeza.
Os rumores são ecos de silêncio
Que pulsam nos rituais do tempo.
A nudez é uma flor de Outono
Com raiz de vento, perfumada de terra
E matizada pelo olhar.
Cristalina escuridão
Do chão erguem-se páginas de verde
Tingidas pela poesia dos cachos.
Versos de pétalas ausentes,
Ditadas pelo fogo, pela chuva e pela terra,
Que o canto das leveduras irá converter
Na cristalina escuridão dum poema
Tecendo a vida
No tear do tempo que me assiste,
Entrelaço os fios da fantasia.
Lanço a trama, teço o dia-a-dia.
Dou-lhe relevo, dou-lhe forma, dou-lhe cor.
Dou-lhe o ar da tristeza ou da alegria.
Dou-lhe a feição
Do desengano ou do Amor.
E da tela, assim entretecida,
Vai nascendo o poema que é a vida.
Conquistas
O vento respira o lugar,
Insinua-se, habita-o,
Toma os perfumes secretos
E sopra no redor suas conquistas.
Conjugações
A lua convida-me às palavras.
Que o ditame as revele
Conjugando o canto
Com a graça da visão.
Desafios
Não resisto aos desafios
Da primavera.
Os versos abundam;
Que o olhar os perceba
E o canto os desperte.
Caminhos do sul
Soaram aos sentidos
As notas da fugidia chama.
Cânticos de cor na voz do cisne
E a lenta agonia dos contrastes.
No céu exemplar
A geometria das aves
Nos caminhos do sul.
Vazio
No palco dos desejos
Apenas claridade branca
Um vazio de luz
Que aguarda a noite do poema.
Traduções
Que as palavras traduzam
A veemência do desejo.
Que tenham a subtileza do ar
E a leveza do voo
Um olhar
Acendi na cal o olhar
Que uma súbita gaivota preencheu.
O muro, estreito,
Margina a foz da existência.
Talvez o mar esteja por perto.
Fogachos na tormenta
Avulsas, dispersas,
Filhas de mórbida inquietação.
Não serão mais
Que fogachos na tormenta.
Barcos reféns de pesadas âncoras
A caturrar versos nas amarras.
Os sonhos do pousio
Fragmentos de poente
Que esvoaçam nas aragens
Em pálidas despedidas.
Pássaros decadentes que aspiram
Aos ninhos da terra
Onde a alquimia do tempo
Torna possível os sonhos do pousio.
As mãos da terra
O silêncio e a noite
Incendiaram os gritos do ar.
Vinham do sul
A tocar a harpa da chuva
E a exaltar a inquietação do abismo.
As mãos da terra
Modelaram o barro do clamor.
Nas amuras do vento
Ressuscitam os dorsos nas
Amuras do vento
Com a proa a desfolhar nas cavas
A flor do sal.
O leme e a quilha teimam a rosa
Enquanto as mãos caçam
A luz branca
Que acende o veleiro.