Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Alvor,a terra e a ria

Alvor,a terra e a ria

19
Out24

Breve apontamento sobre as traineiras e as conserveiras

Joaquim Morais

 

 

  Meados do século vinte; estava-se em plena temporada do cerco, e o sol, a inaugurar o fogo e a cor, pintava barcos e suas redes, que num enorme leque e vogadas pelo corcho, se estendiam por bombordo. O mar, adormecido, repousava dos desmandos da nortada, que reinava nas tardes, soprando desabridos humores até ao dissuasor abismo da colorida chama do poente.

  A bordo, o guincho virava a arte devagar, que o mar, fundo, não despertava a inquietação da pedra. Com as argolas à borda e a aberta cerrada, era tempo de alar, de trazer à superfície a prateada esperança, alimentar os sonhos, e devolver ao barco a graça que o vazio da rede impede.

  Os braços e a voz em sintonia, arrancam-na do fundo acompanhados pelo grasnar intenso das gaivotas que enxameiam a pesada arte.

  Era assim na pesca do cerco, que, ainda sem mecânicas ajudas, recorria à cantoria do leva leva, para aligeirar a rede e o cansaço.

  As traineiras, que nas décadas de cinquenta e sessenta eram em número considerável, foram o suporte fundamental da indústria conserveira em Portimão, transformando a cidade num importante centro industrial e piscatório. O rio Arade era um soberbo quadro de cor e movimento, e as traineiras o símbolo e referência maior da cidade.

  Utilizavam a arte do cerco, e as capturas predominantes eram de sardinha cavala e carapau, sendo que as duas primeiras, constituíam a quase totalidade do trabalho das conserveiras.

  Sempre que na faina a sorte (elemento que à época era tido por muitos essencial) sorria aos mestres, a abundância de peixe transformava a cidade num quadro de benigno e pitoresco alvoroço.

  O cais era um andar de gente numa constante roda viva, e no percurso do pescado, da rede até à mesa, havia um grande número de famílias a assegurar a subsistência.

  O comércio era a vida e o cais fervilhava.

  Na lota vendia-se a a fatia maior, e nela estavam envolvidos grandes compradores, com comércio assegurado na cidade, e noutros mercados em vários pontos do país. As fábricas tinham também presentes na lota os seus representantes, que asseguravam nos leilões, a compra do peixe indispensável ao seu funcionamento.

  Em pleno cais havia o pequeno comércio, mais em conta, levado a cabo pelos próprios pescadores, que por vezes decidiam vender a parte que lhes cabia nas divisões de bordo, e outros que enchiam a canastra no descuido alheio, fazendo nela pingar a paciência e a sardinha.

  Na procura de uns e de outros, circulavam os muitos que queriam comprar.

  A chegada do pescado às conserveiras, fazia soar de imediato estridentes sirenes, para aviso e convocatória das operárias.. Residentes na cidade, e nas áreas circundantes mais ou menos distantes, depressa se punham a caminho para iniciarem o trabalho.

  Tendo todas as fábricas, idêntico modo de avisar e reunir o pessoal tornou-se necessário que cada um aprendesse a diferenciá-las pelo ouvido; não foi difícil, e até mesmo os que não tinham compromisso laboral com nenhuma delas, o aprenderam, ajudando a divulgar o sonoro recado.

  Escutados na aldeia os estridentes apitos, agitavam-se as envolvidas em apressar domésticos afazeres e promover preparos de caminhada; o caminho era longo, o tempo urgia e o vazio da bolsa clamava. Por vezes não era fácil, sobretudo para as que tinham permanentes exigências familiares, e o tempo mal chegava para o seu cumprimento. A vida dura, e o norte invariavelmente tormentoso, davam-lhes a força para ir sempre mais além.

  Palavra passada no lugar, depressa se juntavam e se punham estrada fora até à cidade, num ritual de cansaço, que a vida exigia mas o paleio suavizava.

  Das conserveiras, que durante décadas levaram no singular soar das suas sirenes uma mensagem de vitalidade a todo o concelho, nada resta.E eram muitas, talvez mais de duas dezenas, que ao longo das margens do Arade, deixaram na cidade a indelével marca duma actividade que a envolveu, porventura como nenhuma outra. Ficaram delas e nos lugares onde estavam implantadas, as características chaminés, quase todas com alados inquilinos, que por ironia são símbolos de anunciadas vidas, já não permitidas ao moribundo senhorio.

  Restou apenas o edifício da fábrica Feu Hermanos, transformado agora em museu municipal, que tem na representação detalhada de toda a laboração da indústria o foco principal.

  Actualmente, existe em funcionamento uma pequena unidade artesanal criada em 2015 no Parchal. Chama-se Conserveira do Arade, tem processos de fabrico próprios, e está certificada como produtora artesanal.

 

 

21
Set24

Fernando (farinha), a metáfora do mar

Joaquim Morais

 

  Ao mar se fez ainda verde, que outro, por raro, difícil seria, sendo como era em tons de azul a oferta que soía.

  O pão sabia a sal, na mesa de quase todos.

 

  Fernando, que a terra decidiu pelo canto, alcunhar de “farinha”, foi bem maior que o contido nesse redutor apelido. Por ele passava apenas a voz, que, mediana no desempenho, nunca foi o melhor caminho para chegarmos ao entendimento da sua real valia.

 

  O mar e a faina navegaram-no como a nenhum outro, deixando nele relevante marca, e dele fazendo especial discípulo.

 

 E foi nessa tarefa de convocá-los muito para lá das suas fronteiras, fazendo deles menção nas mais improváveis circunstâncias, que Fernando revelou invulgar e precioso talento.

 

  Pouco conhecida dos que escolheram terrenos ofícios, a terminologia náutica marca a diferença para tudo o resto que a palavra contempla. Dizer do mar, dos ventos, do navegar, dos barcos, das artes de pesca e de tudo o mais que envolve a relação, significa para os que nela decidem viver, a aprendizagem dum património linguístico fascinante, que é parte fundamental da nossa tradição marítima, e que resulta da necessidade de entendimento sem equívocos em plena faina.

 

  Pela ria chegou ao mar aberto; nele semeou desmedidas linhas de canseira, que consumiram o olhar e acenderam a noite e a esperança. Puxou redes em chachorros, secadas e traineiras, e em latitudes pouco ajustadas à sua carnadura, foi-lhe imposto em precário batel, um mar feito de novos imprevistos.

  Do mar e do que lhe estava associado veio toda a matéria para o poema da sua vida; só tinha que o recitar ao mundo.

 

  Da bacalhoeira vivência, e de sua lavra, cantou os versos que a diziam: singelo retrato da exigência da faina, dos benefícios de bem cumprir as tarefas, da vida a bordo, dos constrangimentos, do raro e passageiro ócio, dos proveitos que a arte de pescar trazia aos mais capazes. e tudo o mais que, não tendo sido dito, podermos supor acontecer a quem vivia durante meses a fio no reduzido espaço dum navio que a modernidade não consente, cercado de céu e mar férteis em diferentes e inesperadas ameaças

 

  De Portimão, compôs a imagem da pitoresca azáfama do seu cais nas décadas de cinquenta e sessenta, e levou-a pelo canto a toda a gente. Descrição fiel, que a linguagem coloquial realça, e a alusão a recorrentes e curiosos factos se revela particularmente interessante para os que a vida obrigou ao convívio com essa alvoroçada realidade.

 

  Por imperativo de saúde fez uma pequena cirurgia no hospital de Portimão, fazendo dela posterior relato, num desfiar de vocabulário próprio da faina, engendrando para alguns procedimentos cirúrgicos da intervenção e para o ambiente e logística do bloco operatório, invulgares imagens alegóricas que a sua imaginação ia ditando.

  Esta linguagem não era de fácil entendimento para os que viviam à margem do seu mundo, sendo no entanto notório, que a sua descodificação surpreendia sempre todos pela curiosa e divertida originalidade.

 

  São incontáveis, e muitos deles registados pela memória dos que viviam atentos ao seu delicioso discorrer, os exemplos que o dia a dia e as conversas de ocasião que o envolviam, nos ofereciam.

 

  Tinha um olhar algo ausente e apagado, mas sempre que na sua expressão o assomava demorado e maroto, fitando enviesado o seu interlocutor com brejeiro sorriso e pausada atitude, era quase certo que o mar o tomara e que a maré cheia do seu pulsar havia de inundar de versos o mundo à sua volta.

 

  Fernando foi metáfora do mar em toda a sua vida, e soube dizê-lo com a autenticidade que apenas os eleitos, (poucos), a ele vinculados por rara afeição e que dele se fizeram fiéis seguidores e intérpretes, ousaram conseguir.

 

 

15
Set24

OUTROS ENCONTROS

Joaquim Morais

 

 

  A rua foi sempre o sítio primeiro. Ponto de encontro nascido do desejo comum de dizer e de escutar, onde cada um urdia pela fala e a seu jeito, a singela malha de ocorrências que os dias teciam.

  Formavam-se grupos mais ou menos numerosos, em função do interesse das conversas, e da vocação dos envolvidos para prender a atenção e o ouvido. Predominavam nos lugares que o hábito elegia, e traziam à cena pela palavra o mundo da aldeia.

 

  Quando o tempo esfriava e a rua esmorecia, algumas vizinhas mais chegadas, juntavam-se após o jantar na casa de uma delas para conviverem. O hábito, socialmente exemplar, criou raízes, generalizou-se, e fez da terra um enorme centro de convívio, onde se suavizavam tensões, abrindo novos e divertidos caminhos, que achanavam o mar agitado do dia dia. Distinguiram-se mulheres, frescas no dizer, que chalaceavam os assuntos mais sérios e delicados, alargando as fronteiras da graça, e derrubando velhos e resistentes tabus.

  Para além da palavra, esses encontros eram férteis na produção de trabalhos, que cada uma decidia pelo particular saber, pela necessidade, ou apenas pelo prazer do desempenho.

  Tricotando, bordando, costurando ou fazendo empreita, e com um fundo de palavras que invariavelmente semeavam o riso e a boa disposição, foram serões inesquecíveis, que perduraram e fizeram-se exemplos bem sucedidos, da arte de conviver.

 

  Sempre que o verão trazia pela mão do levante a canícula africana, as noites expulsavam toda a gente de casa.

  Bancos rasteiros e cadeiras de atabua preenchiam o redor das portas e davam poiso às gentes, que com pachouchadas e dichotes convertiam a noite em prolongada e divertida tertúlia. Era assim por toda a aldeia quando o sueste se instalava.

 

            (Que vento é o sueste, que ainda de véspera fazia turvar a água dos poços?)

 

  É o mais desalmado de todos os ventos. Sopro rebelde, porventura nascido das angústias do tempo, faz do mar raivoso torvelinho, devorador de pacíficas areias. Entre o casario, remoinha a sujeira em nuvens que ferem o olhar, e que o cansaço há-de juntar, rasteiras, pelos recantos de ruas e terreiros.

  Repousa dos desmandos na frouxidão do sol, e, cúmplice da inquietante mormaceira converte a noite em palco caótico de sonhos e vigílias.

  Traz nas vagas as flores que o deserto secou, e faz assomar a lembrança dum trono anunciado por improvável bruma.

 

 

  Também na oficina do barbeiro se formavam animados grupos: por lá passavam os que, dedicados à notícia aí exercitavam, levando e trazendo, exultando quando percebiam relevante assunto, e, ufanos, rumavam a outros portos, sempre com a palavra pronta e o ouvido desperto.

  Alguns havia que lá iam pelos jornais. Uns, incapazes desde sempre de decifrar o mistério das letras, alimentavam a esperança que outros, nelas entendidos e dispostos a isso, lhes fizesse chegar o que ia acontecendo noutros lados. Falava-se de tudo no barbeiro, mas o futebol e o clubismo estavam sempre presentes. As tribos, envolviam-se em acesas disputas vozeirando argumentos e reclamando para as suas cores todas as razões do mundo.

 

  As tabernas e as mercearias também eram lugares de encontro.

  Nas mercearias predominavam as mulheres, que, por doméstico imperativo, abreviavam o tempo, aflorando assuntos para paleio futuro noutros palcos e fazendo prevalecer sempre o primado da casa e da família. Quando no entanto se conjugassem local e ocasião, e a razão aplaudisse, a veia oratória diria de si sem delongas nem papas na língua.

 

  Nas tabernas, onde apenas os homens tinham assento, (excepção feita à mulher do taberneiro,) o vinho era rei, prevalecendo pelo mérito dos seus excepcionais atributos.

 

                                                            (  A razão do vinho )

 

  Para lá da terra habitada, as cercanias de Alvor possuíam o tesouro das vinhas. As areias onde cresciam, estendiam-se, sobranceiras ao mar, até às arribas que as guarneciam e rematavam.

  O sol inteiro, a terra arenosa e as contidas águas, ofereciam às uvas características únicas que explicavam a valia da pinga.

As adegas abundavam apesar da pequenez da terra, e porque chegava longe a excelência do vinho, todas não eram muitas, para acolher os que vinham comungar da arte de beber o prazer do vinho.

 

 

  Apesar da realeza do vinho, era na assembleia dos súbditos que residia a matéria que aqui me trouxe. Os da terra e os outros, que a partir do S. Martinho ansiavam por traduzir o saibo das novas colheitas e opinar sobre elas, vinham numerosos. Discorriam sobre os atributos do néctar que a competência dos homens fabricara, e tropeçavam quase sempre na intenção de eleger favoritos. A experiência e o saber dos envolvidos na arte, acabava sempre por determinar uma qualidade transversal a toda a produção, diferindo apenas em particularidades, próprias da abordagem de cada um.

  O mérito, abraçava por isso todos de igual modo.

 

  O rumo e o tom das conversas nesses lugares era diverso. Com uma clientela de homens onde predominavam os que faziam do mar o seu modo de vida, era da dura arte de nele se afirmar e sobreviver que falavam; e faziam-no com imagens sonoras recheadas de palavras e expressões muitas vezes difíceis de entender, sobretudo pelos que, distantes dessa curiosa maneira de dizer, acabavam muitas vezes enredados na teia verbal daí resultante.

  A alteração das falas decorrente das prazenteiras libações punha à vista efeitos diversos: se por vezes acontecia que alguns mais tímidos, se faziam ouvir com tom e euforia desusados, outros havia habitualmente alegres, que eram repassados por estranha e comovente tristeza. Era no entanto mais comum, que em todas as tabernas o tom de voz subisse, e que a animação se instalasse.

  Às vezes, o convívio também trazia a surpresa do canto, que, nas tabernas, tinha no fado a sua expressão mais desejada; assim quando entre a clientela, marcava presença alguém agraciado pelo dom, era quase certo, que, a dada altura, o fado com toda a sua aura de nostalgia e sentimento, brindaria todos os presentes pela voz, pelo silêncio e pelas emoções que em cada um iria despertar.

  Preenchida assim de todos os pressupostos que a faziam, dir-se-ia que a taberna se cumpria.

 

  De entre o que era costume e para lá do que já foi dito, será interessante referir que nesta terra também se contavam histórias. Naturalmente associadas a tranquilos serões e outros convívios, nada impediria de acontecer, se oportuna fosse, diferente ocasião.

  Não era uma terra de letrados; pouco favorecidos pela época e pelas circunstâncias, foram quase todos vítimas do analfabetismo que o regime semeava.

  A tradição oral colmatara a ausência de livros e leitores, e, na continuidade, proclamou o conto como elemento essencial na formatação da memória e da consciência colectiva. Alguns contadores eram particularmente dotados, fazendo com as suas narrativas as delícias de crianças e adultos.

 

  Em criança, ouvi do meu avô materno alguns relatos, que, ora me prendiam pelo insinuante enredo, ora me espantavam pela estranheza, suscitando-me também por vezes, incómodo receio; tenho da feição bizarra de algumas dessas historietas, vaga memória.

  Apesar do seu ar habitualmente severo e até mesmo pouco simpático, meu avô transfigurava-se como narrador, pondo todo o seu empenho nesse papel e representando razoavelmente as figuras das histórias.

 

  As aldeias como Alvor, tinham nos anos cinquenta e sessenta do século passado hábitos sociais interessantes que em termos gerais tentei trazer aqui.

  Não pretendendo ser cansativo na abordagem, decidi fazê-lo pela rama, esperando mesmo assim ter avivado memórias e provocado alguns sorrisos.

 

  A rede social era concreta e genuína e acontecia pela espontânea necessidade de afirmar pelo encontro, a nossa humanidade; sem o outro não existimos; e todos também somos o outro.

06
Set24

A ESTIBA

Joaquim Morais

 

O pescador Carlos Nicolau Jaques, referido no texto anterior e também conhecido por Carlos “pão e metade” viveu com a família durante muito tempo num antigo edifício, que teria sido alojamento de trabalhadores duma eventual fábrica de transformação e conservação de pescado, ao tempo já inexistente, e situada em local adjacente.

 

Era uma casa com um enorme pé direito e acentuada degradação, circundada pelas águas da ria, e a que as marés vivas se chegavam marulhando nela os versos da nortada.

 

Como parte dum conjunto de outros edifícios então totalmente arruinados, o local era conhecido por estiba, e a designação pode ter relação com a actividade desenvolvida. O trabalho efectuado teve certamente a ver com a conservação de pescado para consumo posterior, e, pelo nome por que se tornou conhecido e foi passado ao longo de gerações, pode ter envolvido o ancestral método de perservar pela salga que a civilização romana deixou bem evidente ao longo da costa, nos inúmeros tanques utilizados para o efeito, e que, não muito longe deste local ainda existem.

 

Esse método ainda perdura nos nossos dias, é relativamente fácil de executar, e como desafio para os que gostam de experiências novas, passo a descrever:

 

A estiba de biqueirões é um processo de tratamento desses peixes azulados para posterior consumo, ainda usado por algumas pessoas e que envolve a sua acomodação num recipiente, (lata), em camadas e abundante salga, rematada com a colocação dum peso sobre eles. Cozinham nessa substancial moira, até que experiente avaliação o ache concluído. É um processo demorado, que decorre por alguns meses, e dá origem a um pitéu muito apreciado que se obtém após a sua cuidada preparação. Conservam-se em azeite depois desse procedimento, e são consumidos acompanhados por alho fatiado.

 

Por tudo o que foi dito, é bem possível, que nesse conjunto de edifícios de razoável dimensão a que chamaram estiba, se tenha desenvolvido um processo de salga industrial para conservação de pescado, semelhante a este.

 

 

 

 

 

 

 

 Nas fotografias que junto, a primeira identifica ao fundo a suposta casa para alojamento de pessoal, ainda de pé, e o espaço da provável fábrica já totalmente arruinado; a outra, ao que parece, retrata a fachada do que seria o edifício das ruínas em altura de laboração e o cais onde supostamente se efectuava a descarga do pescado, totalmente preenchido pelos barcos da época.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

estiba 2.jpg

cais antigo Alvor.jpg

20
Set22

Danças de fugidia luz

Joaquim Morais

 

 

 

 

 

Danças de fugidia luz

 

 

A obscura mensagem dos sentidos,

O inquieto labor das emoções

Que voluteiam a sua imprecisão

Em danças de fugidia luz.

No turbilhão do círculo, sílabas fugazes

Ensaiam fortuitos acordes.

A música ilumina a palavra

Que nasce serena e clara,

E a bonança regressa nas asas do poema.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Navegações

 

 

 

Sem flor nem luz

Navega-me o leme do vento

Nos mastros nus.

A estreiteza do rio apressa a vida

E a foz desenha-se sem brilho nem glória.

Esmaga-me o algodão do relógio

E o desejo naufraga

Na tormenta do tempo.

 

 

 

 

 

 

 

Sobressalto

 

 

 

 

Procuro o sobressalto das palavras.

A surpresa da sua transparência sombria.

Que sejam pontes, barcos,

Pétalas perenes nos canteiros do vento.

Que a sua música permita

A dança dos Espíritos.

E o seu perfume

Rescenda o ar do seu dizer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Flor de Outono

 

 

Os ramos acenam serenas despedidas

E em cada árvore se acende

O esplendor da decadência.

Há uma ânsia de terra

Na palidez das folhas.

Um desejo cinzento.

Um voto,uma certeza.

Os rumores são ecos de silêncio

Que pulsam nos rituais do tempo.

A nudez é uma flor de Outono

Com raiz de vento, perfumada de terra

E matizada pelo olhar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cristalina escuridão

 

 

 

Do chão erguem-se páginas de verde

Tingidas pela poesia dos cachos.

Versos de pétalas ausentes,

Ditadas pelo fogo, pela chuva e pela terra,

Que o canto das leveduras irá converter

Na cristalina escuridão dum poema

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tecendo a vida

 

 

 

No tear do tempo que me assiste,

Entrelaço os fios da fantasia.

Lanço a trama, teço o dia-a-dia.

Dou-lhe relevo, dou-lhe forma, dou-lhe cor.

Dou-lhe o ar da tristeza ou da alegria.

Dou-lhe a feição

Do desengano ou do Amor.

E da tela, assim entretecida,

Vai nascendo o poema que é a vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conquistas

 

 

 

 

 

O vento respira o lugar,

Insinua-se, habita-o,

Toma os perfumes secretos

E sopra no redor suas conquistas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conjugações

 

 

A lua convida-me às palavras.

Que o ditame as revele

Conjugando o canto

Com a graça da visão.

 

 

 

 

 

 

 

 

Desafios

 

 

 

Não resisto aos desafios

Da primavera.

Os versos abundam;

Que o olhar os perceba

E o canto os desperte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caminhos do sul

 

 

 

Soaram aos sentidos

As notas da fugidia chama.

Cânticos de cor na voz do cisne

E a lenta agonia dos contrastes.

No céu exemplar

A geometria das aves

Nos caminhos do sul.

 

 

 

 

 

 

Vazio

 

 

 

No palco dos desejos

Apenas claridade branca

Um vazio de luz

Que aguarda a noite do poema.

 

 

 

 

 

 

 

 

Traduções

 

 

 

Que as palavras traduzam

A veemência do desejo.

Que tenham a subtileza do ar

E a leveza do voo

 

 

 

 

 

 Um olhar

 

 

                                 Acendi na cal o olhar

                                 Que uma súbita gaivota preencheu.

O muro, estreito,

Margina a foz da existência.

Talvez o mar esteja por perto.

 

 

 

 

 

 

Fogachos na tormenta

 

 

 

 

Avulsas, dispersas,

Filhas de mórbida inquietação.

Não serão mais

Que fogachos na tormenta.

Barcos reféns de pesadas âncoras

A caturrar versos nas amarras.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os sonhos do pousio

 

 

 

 

Fragmentos de poente

Que esvoaçam nas aragens

Em pálidas despedidas.

Pássaros decadentes que aspiram

Aos ninhos da terra

Onde a alquimia do tempo

Torna possível os sonhos do pousio.

 

 

 

 

 

 

As mãos da terra

 

 

 

 

O silêncio e a noite

Incendiaram os gritos do ar.

Vinham do sul

A tocar a harpa da chuva

E a exaltar a inquietação do abismo.

As mãos da terra

Modelaram o barro do clamor.

 

 

 

 

 

 

 

Nas amuras do vento

 

 

 

 

 

Ressuscitam os dorsos nas

Amuras do vento

Com a proa a desfolhar nas cavas

A flor do sal.

O leme e a quilha teimam a rosa

Enquanto as mãos caçam

A luz branca

Que acende o veleiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

14
Dez21

Talvez poesia

Joaquim Morais

 

 

 

 

 

no princípio era o silêncio

e as palavras diziam

seu gesto e seu rumor

 

 

 

palavras novas

 

dos poetas chega a notícia

das palavras novas.

Palavras que ousam o lado invisível

da respiração do mundo,

e nos trazem o en(canto)

da sua perfumada estranheza.

 

 

 

O verso que nos cabe

 

quando às vezes decidimos a quietude,

e tudo repousa no olhar,

ouvimos a música.

Talvez traga com ela

o verso que nos cabe.

 

 

 

Vagaroso reparo

 

Sufoca-nos o brilho redundante,

enquanto na leira dos detalhes,

se perde a colheita do vagaroso reparo.

A safra dirá dos brandos sobressaltos

das coisas furtivas,

e das sóbrias palavras que suscitam.

 

 

 

A árvore e o vento

 

Já que a raiz não lhe consente,

pede ao vento

que respire seus perfumes na lonjura.

Que leve a sua primavera

até onde o ar permita,

e em cada sopro diga

de sua formosura.

 

 

 

Roseiras

 

Mostram ao mundo

a cor e o perfume,

e quando o gesto se atreve,

o desencanto da inesperada dor.

Será que a graça

cobra mágoas pelo amor.

 

 

 

Rotas infindáveis

 

O poema irá para onde o levar

a deriva das suas infindáveis rotas.

Conduzem-no os vislumbres do trajecto

e a aleatória rosa do seu leme.

 

 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub