Angola, enclave de Cabinda, corria o ano de 1972. No pequeno destacamento de Sangamongo, um pelotão da companhia de caçadores 3408 era guarda avançada para operações de patrulhamento, na zona de fronteira.
Também perto da fronteira, no lado congolês, um aquartelamento do MPLA com guerrilheiros que faziam constantes incursões no território angolano emboscando colunas militares, e semeando de minas os trajectos habitualmente utilizados pelas tropas portuguesas, era a preocupação mais significativa.
A coordenação de toda a actividade militar na zona era da competência da companhia 3408, que estava sediada no Chimbete.
O Maiombe dominava toda esta área geográfica, tornando muito difícil pela sua natureza extremamente fechada, qualquer actividade militar no espaço da sua implantação.
São perto de trezentos mil hectares de floresta cerrada, com árvores gigantescas, de madeiras raras e valiosas, e uma fauna riquíssima e variada, onde se destacam gorilas, elefantes, chimpanzés e aves raras.
É a segunda maior floresta do mundo a seguir à amazónia, e por isso, hoje também considerada uma das maiores reservas naturais do mundo.
Sangamongo estava completamente enlaçado por essa pujança verde e cingido por uma barreira construída pelos militares que garantia relativa segurança.
A proximidade do aquartelamento fazia deslocar muitas vezes os guerrilheiros do MPLA ao Sangamongo, para ataques surpresa, breves, de desgaste psicológico, a que juntavam de viva voz, obscenas advertências e indecorosos recados, para militares e respectivas famílias.
As deslocações entre a sede da companhia no Chimbete e o destacamento, eram de risco elevado. O percurso, extremamente difícil em determinados troços, era apeado e o terreno picado para detecção de minas. Nas viaturas apenas os condutores, e em todos o atormentado desejo de um final feliz.
Na época das chuvas eram quase heróicas estas travessias, pela dificuldade extrema que nos punham à progressão, a lama e a água.
No interior do aquartelamento a vida desenrolava-se relativamente calma, e os afazeres decorriam rotineiros como em qualquer outro lugar.
Nos intervalos da guerra, jogava-se futebol, bebia-se cerveja e jogava-se às cartas. Havia cozinha. Havia refeitório. Havia os serviços diários que a segurança e organização militar obrigavam, e o convívio possível no tempo que sobrava de tudo isso.
A vida era feita de todas estas coisas, e às vezes, quando os apertos espaçavam e o seu esquecimento ocorria, regressávamos a nós, por algum, pouco, tempo.
Como em qualquer outro lado, sujeito ou não ás angústias da guerra, aconteciam coisas, mais ou menos improváveis.
A um militar que adoecesse, eram-lhe administrados os medicamentos habituais, que os sintomas recomendassem.
A enfermaria local conseguia resolver a grande maioria das pequenas enfermidades que iam surgindo entre o pessoal, salvo em situações extremas, e quando os meios terapêuticos disponíveis se revelavam insuficientes.
A Ricardo, aconteceram-lhe febres altíssimas, resistentes aos antipiréticos comuns, que obrigaram ao pedido de evacuação urgente para unidade hospitalar.
Naquele lugar e naquelas naquelas condições, apenas o helicóptero poderia levar a cabo tal intervenção, com a rapidez que a situação recomendava.
Accionados os mecanismos necessários, descolou da sede do batalhão em Cabinda a aeoronave requisitada.
O voo até ao local da evacuação, não sendo muito demorado, encontrava na extrema densidade do maiombe e na localização fronteiriça do destacamento, a maior dificuldade.
Recordo que não muito longe de Sangamongo, separado pela fronteira que o maiombe não escreve, ficava o aquartelamento do MPLA.
Quando na parte final da viagem, na mancha verde que a terra inunda, se desenha clareira de precária habitação e humana presença, aos pilotos parece-lhes o objectivo pretendido, e depressa preparam a aterragem.
Iniciada a descida, veem-se de repente cercados de homens, e, ameaçados pelas armas, impedidos de levantar voo.
A constatação tardia do insólito erro já não lhes permitiu a retirada.
Caído literalmente do céu nas mãos dos guerrilheiros, o heli foi capturado e os seus dois ocupantes feitos prisioneiros.
Os pilotos foram resgatados passados alguns meses, numa troca de prisioneiros entre o exército português e o MPLA na fronteira de Massabi, perto do morro de Sala Bendje.