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Alvor,a terra e a ria

Alvor,a terra e a ria

28
Set24

Francisco da Adelina

Joaquim Morais

 

  Quando acontecia surgirem duvidas na identificação dos que, tendo igual graça, e quando ausentes vinham à conversa, era costume associar ao nome, e como apelido, o nome das mães, ajudando com isso ao seu mais fácil reconhecimento. Adoptado ficaria a partir daí o informal aditamento e o seu uso, sem necessidade de administrativa formalização.

  Por idêntica razão foi o nome de Francisco acrescido do maternal apêndice, passando a ser aos olhos de todos e para o resto da vida, o fulano de sua mãe

 

  Francisco da Adelina foi sineiro, jornaleiro e pregoeiro; conheci-o durante a infância e a adolescência, e a sua exígua e indefesa figura suscitou-me sempre uma estranha ternura. Era uma espécie de criança muito velha, mas sem família, nem os costumados laços afectuosos que entre parentes se costumam desenvolver e nos confortam por sabê-lo.

 

  Andava descalço, com camisolas gastas que raramente inaugurou, e quase sempre em discordância com a estação; calças já roçadas noutros corpos, remendadas, enormes, presas na cintura com uma corda que passava pelas presilhas dum inexistente cinto, e com as dobras do que sobrava subindo nas breves pernas, deixando à vista uns pés minúsculos onde se acumulava sujidade sem limites.

 

  Conhecido pelos pregões que anos a fio vozeou pela aldeia fazendo chegar aos ouvidos de toda a gente as novidades que a ocasião tinha disponível, ou o anuncio de qualquer coisa que sumira, e que alguém, com a promessa de alvíssaras esperançava recuperar, Francisco tornou-se também popular e estimado pelos jornais que vendia, preenchidos das frescas notícias que se ofereciam aos poucos que eram capazes de os decifrar.

 

  A vida na terra também passava nessa altura pelo soar do sino, e Francisco, que o compromisso elegera para levar a toda a gente os seus sonantes recados, fazia-o sempre que religiosos imperativos assim o exigissem. Ao fim e ao cabo era o sineiro, e respondia perante a igreja a que o sino estava particularmente associado.

 

  Através dele convocava os fiéis para a oração, dizia do tempo, repicava festas, baptizados e casamentos, dobrava a morte em confrangedora dolência, e quando pairavam ameaças que a todos diziam respeito, tocava a rebate para que fosse decidida solidária e adequada resposta.

 

  Já não se ouvem os sinos; já não há quem os toque nem quem os entenda.

 

  Francisco viveu numa pequena casa sem janelas, escura e funda, com a luz que a porta consentia incapaz de refrear o sombrio quadro da sua abreviada dimensão.

  Tinha uma companheira, a “ti zorrinha” com quem partilhava o nada da sua vida, e de quem recebia coisa nenhuma, preenchendo-se mutuamente com o vazio decorrente das suas acanhadas existências.

 

 

29
Jul23

De braço dado com o mar

Joaquim Morais

 

Era calmo e tépido o mar inicial.

Ajustadas as velas ao sopro da vida,

navegaram no tempo preciso

as maternas rosas

e o hábito das águas;

habitaram submersos o fértil remanso,

e vieram ao mundo

marcados pelo indelével traço

da sua vital relevância.

O nascimento deixou-os

de braço dado com o mar.

Porque assomava a todas as janelas;

porque a todos

fazia chegar a sua voz,

e, por previsível e breve,

a terra se ter esgotado no olhar,

aceitaram o desafio da imensidão,

reinventaram as origens

num útero de tábuas e de sal

e fizeram-se ao mar.

22
Jul23

Quadros do acaso

Joaquim Morais

 

 

 

 

 

  Aumentaram consideravelmente na segunda quinzena de Julho as gentes que o verão costuma, e na estrada, que mais parece uma rua, a calma já vai dando lugar à crescente agitação, com apogeu marcado para Agosto.

  Os limites à velocidade acenam-nos em todo o percurso, mas semáforos, só existem os instalados numa zona comercial, que às vezes nos impedem, e nos mais apressados despertam por vezes um assanhado desempenho verbal.

 

  À aproximação do semáforo, reparei em alguém que me pareceu ter a clara intenção de atravessar a estrada em direcção ao centro comercial; abrandei e acabei por parar quando já digitava o mecanismo que lhe dava a cor da passagem segura. Era um homem de meia idade que transportava uma mochila, e acho que era estrangeiro. Porquê estrangeiro? Talvez por essa razão; às vezes olhamos e pensamos: deve ser estrangeiro; foi só por isso; penso que era; talvez fosse.

  Levava no olhar a relativa segurança do verdejante tom.

 

  Hora e meia depois voltei à estrada,(rua), para o regresso. O mesmo trajecto, em sentido inverso e feito de igual conteúdo.

 

  Abrandei no mesmo semáforo; aproximava-se alguém com a nítida vontade de atravessar a estrada; era um homem de meia idade que transportava uma mochila e vinha do centro comercial; parei no vermelho que o mecanismo entretanto digitado pelo homem me mostrou; acho que era estrangeiro; talvez fosse.

15
Jul23

Ainda as Palavras

Joaquim Morais

 

 

 

 

 

ECLOSÃO

 

 

Lembro-me de ouvi-las a nascer;

delicados botões,

animados pelo riso e pelo gesto,

ensaiando as flores

que haviam de explicar o mundo.

 

 

 

 

PALAVRAS

 

 

Há palavras que

recusam agitar o texto.

Acendem nas frases

a luz onde naufragam

adiando as derivas

da sua fértil obscuridade.

 

 

 

 

TALVEZ O VENTO

 

 

Quando a impertinência das palavras

convoca a insónia,

e a safra da vigília

nos concede insurrecta semente,

talvez o vento a leve

aos canteiros da indiferença.

 

21
Mai23

Versos para minha mãe

Joaquim Morais

 

 

 

 

 

 

  A Patrícia, funcionária da IPSS que presta apoio domiciliário a minha mãe, decidiu compor na neve que há muito lhe tomara um novo poema.

 

  Disse-lhe que estava mais bonita e ela sorriu. Olhou-me com doçura; voltei a realçar a aparência, e permitiu que todo o rosto se iluminasse pelo agrado.

 

  Semblante raro, que me propus preservar.

 

  Está sentada à mesa para a refeição em que lhe presto apoio, e continua com um ar feliz. Há algum tempo que não a via assim; troca olhares comigo; volta a sorrir; regresso ao seu ar que reafirmo mais bonito, e invento novos versos para o mesmo poema.

 

15
Mai23

As Andorinhas e a Ria

Joaquim Morais

 

 

 

 

 

  Não buscam caranguejos, nem moluscos, tão pouco vermes, ou outros em que a lama da ria é fértil.

  As andorinhas ocupam um baixio que a vazante deixou a descoberto, e debicam o lodo tal como as aves aquáticas ao seu lado, como se da procura de alimento se tratasse. O que as move e faz diligentes no afã que envolve o pequeno bando, não tem a ver com gastronómicos intentos.

 

  Chegaram como sempre com a primavera. Deixam África onde passam o inverno, quando o desconforto climático, eventualmente a escassez de alimentos, ou outras razões menos explícitas mas não menos importantes a isso obrigam, e têm o regresso agendado ao mesmo continente, a partir de setembro pelas mesmas razões. Movidas por questões de sobrevivência, seguem os ditames do instinto, que as conduzem por extensas rotas migratórias, e conseguem a proeza de chegar ao lugar pretendido sem auxílio de qualquer tecnologia.

 

  Orientam-se, é suposto, recorrendo à posição do sol e das estrelas; dizem entendidos, que talvez percebam o campo electromagnético da terra; e com razoável grau de certeza, valendo-se da memória para referenciar pontos visuais em percursos repetidos. Para os que inauguram a viagem, basta seguir os adultos que a realizaram antes e fazer dela o prefácio duma aventura que a sua frágil compleição não faria supor.

 

  Mas voltemos à ria e ao baixio que convocou a surpresa, ou nem por isso. Não sendo alimento a razão desse esgravatar, percebi desde muito jovem que afinal as andorinhas apenas acautelam o futuro, como progenitores cuidados e responsáveis. A lama com que preenchem os bicos, destina-se à construção dos ninhos, e andará à volta do milhar, as vezes a que esse vai vem obriga para a sua conclusão.

 

  Organizadas, pacientes e sem a pressão do calendário e do relógio humanos, cumprem-se ainda de acordo com naturais desígnios, e enquanto o permitir o precário equilíbrio do planeta.

 

 

 

 

 

As andorinhas plantam a ria no beiral.

Trazem-na no bico,

suspensa da terra e dos beijos

com que amanham a leira branca do futuro.

 

 

 

08
Abr23

Versos

Joaquim Morais

 

 

O canteiro e a rosa

 

Agora que a neve me tomou,

farei dela o canteiro e a rosa,

e juntarei às cores do anoitecer

a tardia inocência da nova condição.

 

 

 

A exactidão do dia

 

A terra e o mar coincidem

na sóbria inteireza

que torna comovente

a exactidão do dia.

A luz que ilumina o olhar,

abre as portas ao poema.

 

 

 

O pequeno lume

 

Se o redor nos conceder o calor

dum pequeno lume,

convidaremos a noite

e faremos da estrela o farol da viagem.

 

 

 

20
Set22

Danças de fugidia luz

Joaquim Morais

 

 

 

 

 

Danças de fugidia luz

 

 

A obscura mensagem dos sentidos,

O inquieto labor das emoções

Que voluteiam a sua imprecisão

Em danças de fugidia luz.

No turbilhão do círculo, sílabas fugazes

Ensaiam fortuitos acordes.

A música ilumina a palavra

Que nasce serena e clara,

E a bonança regressa nas asas do poema.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Navegações

 

 

 

Sem flor nem luz

Navega-me o leme do vento

Nos mastros nus.

A estreiteza do rio apressa a vida

E a foz desenha-se sem brilho nem glória.

Esmaga-me o algodão do relógio

E o desejo naufraga

Na tormenta do tempo.

 

 

 

 

 

 

 

Sobressalto

 

 

 

 

Procuro o sobressalto das palavras.

A surpresa da sua transparência sombria.

Que sejam pontes, barcos,

Pétalas perenes nos canteiros do vento.

Que a sua música permita

A dança dos Espíritos.

E o seu perfume

Rescenda o ar do seu dizer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Flor de Outono

 

 

Os ramos acenam serenas despedidas

E em cada árvore se acende

O esplendor da decadência.

Há uma ânsia de terra

Na palidez das folhas.

Um desejo cinzento.

Um voto,uma certeza.

Os rumores são ecos de silêncio

Que pulsam nos rituais do tempo.

A nudez é uma flor de Outono

Com raiz de vento, perfumada de terra

E matizada pelo olhar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cristalina escuridão

 

 

 

Do chão erguem-se páginas de verde

Tingidas pela poesia dos cachos.

Versos de pétalas ausentes,

Ditadas pelo fogo, pela chuva e pela terra,

Que o canto das leveduras irá converter

Na cristalina escuridão dum poema

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tecendo a vida

 

 

 

No tear do tempo que me assiste,

Entrelaço os fios da fantasia.

Lanço a trama, teço o dia-a-dia.

Dou-lhe relevo, dou-lhe forma, dou-lhe cor.

Dou-lhe o ar da tristeza ou da alegria.

Dou-lhe a feição

Do desengano ou do Amor.

E da tela, assim entretecida,

Vai nascendo o poema que é a vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conquistas

 

 

 

 

 

O vento respira o lugar,

Insinua-se, habita-o,

Toma os perfumes secretos

E sopra no redor suas conquistas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conjugações

 

 

A lua convida-me às palavras.

Que o ditame as revele

Conjugando o canto

Com a graça da visão.

 

 

 

 

 

 

 

 

Desafios

 

 

 

Não resisto aos desafios

Da primavera.

Os versos abundam;

Que o olhar os perceba

E o canto os desperte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caminhos do sul

 

 

 

Soaram aos sentidos

As notas da fugidia chama.

Cânticos de cor na voz do cisne

E a lenta agonia dos contrastes.

No céu exemplar

A geometria das aves

Nos caminhos do sul.

 

 

 

 

 

 

Vazio

 

 

 

No palco dos desejos

Apenas claridade branca

Um vazio de luz

Que aguarda a noite do poema.

 

 

 

 

 

 

 

 

Traduções

 

 

 

Que as palavras traduzam

A veemência do desejo.

Que tenham a subtileza do ar

E a leveza do voo

 

 

 

 

 

 Um olhar

 

 

                                 Acendi na cal o olhar

                                 Que uma súbita gaivota preencheu.

O muro, estreito,

Margina a foz da existência.

Talvez o mar esteja por perto.

 

 

 

 

 

 

Fogachos na tormenta

 

 

 

 

Avulsas, dispersas,

Filhas de mórbida inquietação.

Não serão mais

Que fogachos na tormenta.

Barcos reféns de pesadas âncoras

A caturrar versos nas amarras.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os sonhos do pousio

 

 

 

 

Fragmentos de poente

Que esvoaçam nas aragens

Em pálidas despedidas.

Pássaros decadentes que aspiram

Aos ninhos da terra

Onde a alquimia do tempo

Torna possível os sonhos do pousio.

 

 

 

 

 

 

As mãos da terra

 

 

 

 

O silêncio e a noite

Incendiaram os gritos do ar.

Vinham do sul

A tocar a harpa da chuva

E a exaltar a inquietação do abismo.

As mãos da terra

Modelaram o barro do clamor.

 

 

 

 

 

 

 

Nas amuras do vento

 

 

 

 

 

Ressuscitam os dorsos nas

Amuras do vento

Com a proa a desfolhar nas cavas

A flor do sal.

O leme e a quilha teimam a rosa

Enquanto as mãos caçam

A luz branca

Que acende o veleiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

11
Jul22

AS SALGADEIRAS

Joaquim Morais

salgadeira.jpg

 

 

 

 

 

 

                                                                       

 

 

 

 

 

 

  A aldeia, como quase todas as do seu tempo, convidava ao mosquedo. Era o resultado de comportamentos descuidados, e da ausência de regras de higiene pública: a uma lixeira colectiva, a céu aberto, sem qualquer tratamento e não muito distante do casario, juntavam-se em muitos quintais pequenas compostagens, também ao ar livre, sem critérios de higiene na selecção e na preparação dos resíduos, que continham frequentemente restos de fácil putrefacção. Num cenário de evidente ausência de cuidados sanitários, era inevitável que as moscas reinassem, tornando-se difícil acabar com o seu consistente protagonismo.

 

 

  Pestilentas e atrevidas, eram um desafio permanente para os que recusavam ser alvo das suas intermináveis investidas, e porto para as escalas do seu voejar.

  Nalgumas casas, as portas que davam acesso aos quintais, alguns deles a funcionar como excelentes locais de incubação, estavam protegidas com fitas coloridas, que drapejavam ao gesto e ao vento, mas evitavam em certa medida, o acesso destes e doutros insectos voadores. O mesmo processo era utilizado nalguns estabelecimentos comerciais. Nas casas de habitação, era costume as pessoas enxotá-las várias vezes ao dia, agitando panos ou toalhas, que as encaminhavam de divisão em divisão, até à rua.

  Não existindo diligência publica estruturada para atalhar a sua disseminação, ficava ao critério daqueles a quem importava o desconforto, a improvisação de medidas que o minorasse.

 

 

  Vinham de todos os lados, atraídas pelo odor açucarado das uvas. Esvoaçavam o desejo de sugar, seguindo o rasto meloso deixado no caminho das adegas, e pairavam nos lagares, teimando nos homens, os braços e os rostos peganhentos do labor da pisada. Sem bracejar que as demovesse instalavam-se no pasto de doçura em que o lugar se convertera, e por lá haviam de ficar até à consumação do néctar que as enormes pipas hospedavam.

 

  As adegas eram, pelo seu adocicado e aromático ambiente, locais de excelência para a permanência destes insectos, e capazes de atraí-los de grandes distâncias. Por tudo isto, e pela aparente inevitabilidade da sua presença, houve quem nelas engendrasse maneira de a manter em níveis aceitáveis.

  A natureza da actividade por um lado, e a qualidade dos vinhos produzidos por outro, convidavam não só as moscas, mas também os inúmeros discípulos de Baco, que, no tempo devido, estavam sempre presentes para festivas e preciosas libações. Não sendo inconciliável a presença dos insectos com o desfrutar dos néctares, o exagero do seu assédio acabava por importunar.

 

  Os edifícios onde as tabernas estavam instaladas, eram de média dimensão, e alguns tinham na divisão do atendimento aos clientes, estupendos tectos com estruturas baseadas em robustas armações de asnaria, que a tradição acolhia e recomendava.

  Enquanto criança, quase todos os dias e a pedido do meu pai, deslocava-me às adegas que abundavam em Alvor nessa altura, algumas bem perto do lugar onde morava. Os mandados destinavam-se a trazer à mesa das refeições, o vinho que ele tanto apreciava. Nessas andanças de mandado e quando o atendimento demorava, o olhar vagueava no redor fixando as evidências que nem sempre iam ao encontro do entender dos anos. Bem à vista, suspensos do vigamento inferior das asnas, alguns conjuntos de ramos de um arbusto desconhecido para mim, pendiam criteriosamente amarrados e distanciados uns dos outros. Não entendi o propósito, nem a curiosidade se moveu para deslindá-lo.

   O esclarecimento chegou já em adulto, quando, em amena conversa se lembravam tempos de adegas buliçosas, animadas pelo prazer do vinho que o S. Martinho renovava em primaveras de circunstância, feitas da sua vibrante, aromática e cristalina condição.

 

   Eram salgadeiras o que as traves continham suspensas da sua imobilidade. Um arbusto comum nos sapais que circundavam a ria, e que alguém decidiu usar em desfavor do mosquedo.

   A noite interrompia nas adegas a azáfama das moscas. Era tempo de se recolherem e abrigarem, até que o dia rompesse e retomada fosse a sua maçadora existência. Eleitas dormitório, as salgadeiras eram cobertas por revoadas de moscas mal caía a noite, transformando a sua natureza vegetal em alado e disforme pendente.

  Encerrada a loja, seguia-se o tratamento ao mosqueiro que repousava do labor do dia: munido duma saca de serapilheira de boca larga, o taberneiro subia cuidadosamente e em silêncio por uma escada até junto à salgadeira inundada de moscas, e, com um movimento rápido e preciso, introduzia a salgadeira na saca, segurando e fechando o ramo pela base; acto contínuo, desatava o nó que prendia o ramo à trave e descia com ele bem preso e a saca bem cingida à sua volta. Feita a captura, restava eliminá-las. Nada mais simples, apesar da sua feição um tanto ou quanto bizarra: com a saca a envolver o ramo e a prendê-lo com firmeza, fustigava com ele o chão do quintal ou da rua, até que não houvesse rumor ou sinal de mosca viva.  

  A seguir era devolver a nudez ao ramo, varrer o mosquedo, e voltar a pendurar nas vigas das bonitas asnas, essa traiçoeira alcova.

 

  E assim se cumpria com êxito, uma estratégia de controlo sanitário pouco ortodoxa, mas de razoável eficácia.

 

 

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