Salva vidas "ALVOR"
Segundo a descrição constante dos documentos que o acompanham, o salva vidas “Alvor” terá sido construído entre 1932 e 1933, no instituto de socorros a náufragos de Pedrouços.
Caracterizado como embarcação do tipo dinamarquês, é por isso natural, que a influência nórdica se tenha feito sentir nas suas linhas, e, ou, modo de construção.
Barco a remos, concebido para uma tripulação de doze homens, constituída por dez remadores, sota-patrão e patrão.
De beleza sóbria e traço discreto, mesmo assim não deixa de impressionar pela originalidade, e pelos pormenores revelados no detalhe da atenção.
Aos que, de maneira directa ou indirecta souberam da epopeia que constituiu o seu desempenho, e da sua importância no contexto afectivo, social e cultural do lugar, este barco dirá com toda a emoção que a sua história encerra.
A cada um dos que com ele viveram horas de desassossego e incerteza, dirão talvez em cada reencontro, as lágrimas da memória feliz.
Entrou ao serviço da comunidade piscatória de Alvor em 1933, e foi abatido em 1983.
Durante cinquenta anos, foi vigilante e responsável pela segurança de centenas de homens, a quem o mar muitas vezes surpreendia com alterações de humor que punham em risco as suas vidas, e a navegação segura das frágeis embarcações.
Estrategicamente colocado na instável e perigosa barra de acesso à ria em lugar que assegurasse o auxilio às embarcações que iam chegando, fazia também com a sua presença, renascer o ânimo a todos os que no local viviam o aperto do mar revolto.
Em terra, e em cada jornada que a intempérie lhe obrigava, a imagem da sua largada e da sua exemplar mareação, preenchia-nos alegremente o olhar, e era sinal de renovada esperança.
O salva vidas traz na sua esteira um conjunto de homens que lhe deram vida.
Podem-se contar por largas dezenas, os remadores que durante cinco décadas foram chamados para as acções de salvaguarda da vida sempre que necessário.
Com todos se fez a história do barco, e cada um viveu com ele episódios da sua própria história.
Eram pescadores, convocados pela aflição e pela tormenta, que o responsável reunia com a prontidão que a situação exigia.
O seu dilatado número torna quase impossível identificá-los, e da sua participação fazer a devida referência nominativa.
Desses, já muito poucos ainda estão entre nós.
No entanto, apesar de também já não estarem entre nós, ainda vive nalguns, a memória dos patrões do salva vidas, cujo trabalho, responsabilidade e valia, foram contributo importante para o sucesso das missões.
Do meu pai e dos seus noventa e três anos recheados das mais diversas lembranças, vieram os nomes desses homens que comandaram as inúmeras missões de vigilância e salvamento levadas a cabo pela histórica embarcação, aos quais presto aqui a minha homenagem, pela divulgação da sua identidade:
– Francisco Baptista
– Manuel Vicente
– José Jorge Vidal
– Manuel Lóló
A todas as tripulações que levaram a esperança aos que a tiveram suspensa e ausente, pela angústia das delicadas situações vividas, esta terra deve o humilde tributo da gratidão.
Aos mais jovens, que por vezes parecem viver numa espécie de deriva identitária, é importante que vá chegando a notícia dos que os antecederam, e do que eram feitas as suas experiências de vida.
Se Alvor ainda mantém, apesar de algumas transformações, muito do seu património paisagístico e das suas edificações de referência que nos tocam a vista e o orgulho, saber do passado e das gentes que o preencheram com a riqueza das inúmeras actividades que desenvolveram, será um contributo interessante para nos ajudar a ser cidadãos, naturais deste lugar privilegiado.
Atenta e solidária
Sem preâmbulos, nem avisos,
a várzea oceânica abriu-se
num temporal desfeito.
Em terra, os maus pensamentos
depressa afiam os aguilhões
da ansiedade e do desespero.
Prestes se aparelha no cais
o guardião da existência,
e doze homens enfrentam
o turbilhão do abismo
restaurando a esperança.
Na cordilheira movediça
em que as alfaias de Eolo
converteram a barra,
remam ao compasso da angústia.
Uma a uma, as embarcações
demandam a infernal passagem.
Rebentação e vento,
acompanham gritos e preces
numa sinfonia de desespero.
Atenta e solidária,
a sentinela flutuante balouça,
ao ritmo das convulsões elementares.
Na praia, alguém de negro vestido,
assiste alternando o olhar
entre os céus e o mar revolto.