O vazio dos excessos
Com olhos de terra e de mar a lhe dizerem do mundo, fez da liberdade a aprendizagem dos lugares que o sol inundava, e a chuva e o vento cantavam. Lugares onde os elementos forjam a harmonia, a vida pulsa pujante e autêntica, e ao homem assomam antigas emoções que a ausência privara e o tempo esquecera.
Plantou árvores e fez sementeiras de entusiasmo e de esperança; aprendeu os pássaros, o seu canto e os seus ciclos: os que nos habitam e os que do longe trazem a esperança da vida por longínquas e precisas rotas, que a dúvida assalta pela grandeza e pelo rigor; soube de outros animais e do seus hábitos; assistiu ao desfile das estações e ao desempenho dos seus intérpretes; o deslumbre da água e o fascínio da imensidão, convidaram-lhe ao mar e ao silêncio.
Esquecidos do que somos, vivemos alheados de singelos argumentos, que delicadamente nos sopram a atenção e o desejo.
Cientes do mérito de presumidas convicções, caminhámos por opostos caminhos, que acrescentam distância, mas que não nos impedem o regresso.
A terra e o mar olham-nos com esperança renovada de todos os lugares do mundo.
Ficamos mais longe mas não ficamos mais felizes.
Sabemos que é possível, e que os ganhos não se podem traduzir apenas por riquezas acumuladas, sendo que, a maior delas, é a que se traduz pelo bem estar genuíno, que reabilite a adulterada condição que nos enferma.
Os avanços tecnológicos, e tudo o que o conhecimento tem posto à nossa disposição ao longo do tempo, trazem-nos bem estar, e ao mesmo tempo a inquietação dos limites que amedrontam a razão.
A inteligência artificial, ameaça-nos com a possibilidade de banalização e de manipulação do seu criador, ausentes que estão dos seus desígnios, valores que fundamentam a nossa versão humanitária.
Forte candidato a refém das suas criações, ao homem que o livre arbítrio contemplou, restará exercê-lo com a sensatez que, apesar de tudo, continua a assistir-lhe.
Sê-lo-emos quando nos tomarem a quietude e o espanto, e nos caminhos da rosa se ouvir a música do mundo.
Em cada um de nós há um desejo que não morre; uma semente que aguarda a hora da terra que as origens conservam.
Com coisas simples, preencheremos o vazio dos excessos.