O apelo da terra
Com o aproximar da época de caça, chegava também a todos os que por ela tinham inexplicável apego, uma estranha inquietação.
Talvez os dias que antecedem o acontecer de qualquer coisa prometida e muito desejada pela criança, traduzam bem esse adulto desassossego.
Todos os anos, sempre que a terra nos convocava para o reatar dessa ardente relação, a agitação nos colhia.
Não estando em causa elementares necessidades, nem a sobrevivência das origens, que outras insondáveis razões teriam levado o homem a prolongar no tempo esta primordial, e até certo ponto, dispensável e anacrónica atividade?
Perdurará ainda em recôndito lugar da nossa humana arrumação, alguma coisa que a ruralidade desperta, e que, como um estranho chamamento, nos convida ao regresso?
Somos claramente feitos de passado, faltando saber se a sua ingerência tenha ainda laivos de tão remota era.
O acto venatório, é um exercício, que, para além do eventual e não tão importante assim, abate, reclama de nós apropriada e rigorosa concentração. Porventura esse estado de consciência pleno, conduzido pelos sentidos e pela intuição, nos permitisse voltar a sentir alguma inteireza e restaurar emoções, pensamentos, impulsos e vivências, há muito arredados da pessoa que somos.
Tudo isso nos transformava, tudo isso nos devolvia.
No que me diz respeito, e pelo que me foi dado perceber enquanto seu caloroso seguidor durante alguns anos, nada do que nos movia intencionava a malvadez que muitos querem fazer crer.
As coisas eram assim mesmo, e fosse pelas razões referidas, ou por muitas outras que a controvérsia do tema produz com abundância, havia uma realidade que nos fazia ansiosamente agradados nessa altura.
O início das jornadas de caça era um nervosismo pegado. Os tiques mais ou menos evidentes, e que contemplavam quase todos, diziam da excitação, e prolongavam-se até ao cansaço.
A época de caça, feita da diversidade de ocorrências mais ou menos previsíveis, era também, e acima de tudo, divertido e são convívio, e, fora do palco, ilustrado de relatos onde muitas vezes se misturavam imaginação e realidade.
Pelos insucessos, das circunstâncias viria a explicação.
Pelos bons resultados, o relevo do exemplar desempenho apesar das circunstâncias.
As histórias preenchiam a semana, e eram partilhadas entre grupos. As iniciais, raramente coincidiam com as versões derradeiras, pelos arranjos criativos dos variados interlocutores.
Não sendo contos, eram neles transformados, e acrescentados de infindáveis pontos.