Escutar a manhã na Praia de Alvor
O dia nasceu a revelar o mundo para olhos que não os do olhar, tão pouco os de ver, que a ambos o esplendor confunde; porventura mercê tamanha apenas na alma encontre eco, que à matéria, falta para ela entendimento.
Delicadas as emoções que o vazio insinuante do mar suscita: a sua música de silêncio, entrecortada a espaços pela ténue respiração de pérolas que bafeja a praia; a quietude voluptuosa da sua imagem; a força que emana da sua vastidão chã, do seu rasgo de tranquilidade absoluta.
Depois o céu, que a coberto da inércia do tempo, veio pelas vertentes claras do seu reino fundir-se nele, tingindo de azul a festa do tempo.
A envolver a terra um cristal que outorga a mostra de cores que a luz desvenda a cada degrau que o sol vence, e acende os contornos da serra que recortam o azul e proclamam a sua sublime e profícua imobilidade.
Traços que preenchem as memórias do olhar, e são o norte de quem vive a desvendar o mar e as suas entranhas, rasgando caminhos que permitam a vida.
Não longe da praia, a pontuar um discurso de mar e de céu, escrevem com versos de sal mais uma página das suas olímpicas vidas.
Verão das serenas madrugadas, onde germinam silêncios que ensinam o mar, e se tecem desejos capazes de suspender o tempo.
O horizonte exprime-se agora na terra: na planura do areal onde se demora, ou já ali, no recortado suave do trecho de dunas em que o olhar repousa, e onde a leveza das gramíneas há-de soprar o mareiro que a rosa determina.
No mar exalta-se o céu que o habita, ausentes que estão os artífices das fluidas fronteiras; um voo de luz preciso e claro; um cortejo de azul guarnecido de terra.
Terra que dispensa tais obreiros, já que é inequívoca a sua presença; matéria exacta que não se presta a abstractos devaneios.
Voam pássaros perto da praia perscrutando as águas na esperança da imagem da presa. Suspensos da sua leveza, miram a superfície onde se desenham e mergulham a sua fulgurante agilidade; agoniam pequenos peixes em bruscos movimentos que os bicos sustêm; estiletes de prata; reverberações suaves de verde sol.
Pássaros de água e de vento, que se cumprem na voraz subtileza da sua condição.
Na praia a baixa mar recita leves poemas de espuma, e a terra escuta, como se devem escutar os poemas, apenas.