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Alvor,a terra e a ria

Alvor,a terra e a ria

03
Nov20

Escutar a manhã na Praia de Alvor

Joaquim Morais

 

 

 

 

 

   O dia nasceu a revelar o mundo para olhos que não os do olhar, tão pouco os de ver, que a ambos o esplendor confunde; porventura mercê tamanha apenas na alma encontre eco, que à matéria, falta para ela entendimento.

   Delicadas as emoções que o vazio insinuante do mar suscita: a sua música de silêncio, entrecortada a espaços pela ténue respiração de pérolas que bafeja a praia; a quietude voluptuosa da sua imagem; a força que emana da sua vastidão chã, do seu rasgo de tranquilidade absoluta.

   Depois o céu, que a coberto da inércia do tempo, veio pelas vertentes claras do seu reino fundir-se nele, tingindo de azul a festa do tempo.

   A envolver a terra um cristal que outorga a mostra de cores que a luz desvenda a cada degrau que o sol vence, e acende os contornos da serra que recortam o azul e proclamam a sua sublime e profícua imobilidade.

   Traços que preenchem as memórias do olhar, e são o norte de quem vive a desvendar o mar e as suas entranhas, rasgando caminhos que permitam a vida.

Não longe da praia, a pontuar um discurso de mar e de céu, escrevem com versos de sal mais uma página das suas olímpicas vidas.

   Verão das serenas madrugadas, onde germinam silêncios que ensinam o mar, e se tecem desejos capazes de suspender o tempo.

O horizonte exprime-se agora na terra: na planura do areal onde se demora, ou já ali, no recortado suave do trecho de dunas em que o olhar repousa, e onde a leveza das gramíneas há-de soprar o mareiro que a rosa determina.

   No mar exalta-se o céu que o habita, ausentes que estão os artífices das fluidas fronteiras; um voo de luz preciso e claro; um cortejo de azul guarnecido de terra.

   Terra que dispensa tais obreiros, já que é inequívoca a sua presença; matéria exacta que não se presta a abstractos devaneios.

   Voam pássaros perto da praia perscrutando as águas na esperança da imagem da presa. Suspensos da sua leveza, miram a superfície onde se desenham e mergulham a sua fulgurante agilidade; agoniam pequenos peixes em bruscos movimentos que os bicos sustêm; estiletes de prata; reverberações suaves de verde sol.

   Pássaros de água e de vento, que se cumprem na voraz subtileza da sua condição.

   Na praia a baixa mar recita leves poemas de espuma, e a terra escuta, como se devem escutar os poemas, apenas.

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