as árvores explicam o vento
As árvores explicam o vento
Nada mais que sopro.
Subtileza fluida
Que respira o céu e a terra
E diz do tempo e da lonjura
Na sua voz de asa
Que as árvores explicam.
Íntimas celebrações
Há uma luz que derrama o céu
Pelas margens do olhar
E vai esculpindo o mundo
Com o cinzel da sua ofuscante claridade.
A festa dos sentidos
Prestes dá lugar à sublime liturgia
Das íntimas celebrações.
Um novo amanhecer
Agora que anoitece
É desmedida a ânsia de cantar.
Em cada verso
Ensaio a claridade,
Construo um espantalho de palavras
E invento um novo amanhecer.
Biografia telúrica
Os olhos ditam-me a pedra:
Súbita, informe e tosca.
Decido demorar-me nela,
Habitá-la sem pressas;
Fascina-me a sua nudez exacta,
A arte elementar dos seus perfis,
O enigma da sua biografia telúrica.
E assim, vou decifrando
As suas singulares esculturas,
Até à pétala que o tempo desfolhou.
Amanhecer na ria
O silêncio a exaltar cintilantes rumores
Por entre os despojos da noite.
Um embrião de luz
A descerrar as cortinas do dia.
A pincelar a cor. A tecer o vislumbre
E o espanto num dorso desnudado
Pela respiração do mar.
A subtileza das aragens
Os olhos anunciam o fogo e o azul
Por entre a agitação vegetal
Que segreda a brisa.
A luz acende-se nos muros
E o orvalho regressa
À ágil subtileza das aragens
As palavras e o verso
Quero o céu e o mar
E o sol a escrever a poesia do sal.
Quero a alma do ar a açoitar-me,
E as éguas de espuma,
E a volúpia da chuva,
E a terra a inundar-me.
Quero colher do verde
A luz que o acende.
Quero as palavras e o verso
E o mar que as navegue.
Andorinhas
As andorinhas plantam a ria no beiral.
Trazem-na no bico
Suspensa da terra e dos beijos
Com que amanham
a leira branca do futuro.
Desejo preciso
Com cânticos de algas e de ventos
O oceano exalta o reencontro
Enquanto a musa inquieta dos sentidos
Sugere ansiosa pausa
E a terra celebra o orgulho da raíz.
É uma gota de universo,
Talvez um jardim,
Será decerto um poema,
um desejo preciso,
Uma janela clara e alucinante
Onde o olhar se afunda,
As gaivotas florescem
E o mar respira o sopro das luas.
Olhar a lua
O crescente da lua
Encheu o olhar da Rita.
Posso? Posso agarrar a lua?
Sim! Claro!
Ergueu os braços
Na direcção da luz e disse:
- Já está!
Memória de feto
A bonança dita versos
De sedosa harmonia
Que o silêncio depura.
Ancorado na imensidão do poema,
Flutuo a maciez das águas
Na frágil robustez
Dum útero de tábuas e de sal.
Envolto por âmnio elementar
Reacende-se em mim o lume dos princípios.
Cintilações de volúpia iluminam
Os recantos da memória.
Experimento o prazer original
Embalado por este poema de quietude.
O cais do poema
Ditá-las-ão as nuvens
Ou a aragem que as toca.
Talvez a chuva, um sorriso,
A chama duma rosa,
O fulgor das espigas.
Porventura a lâmpada dum muro,
A geografia dum rosto.
Soprá-las-à o ar
Até ao cais do poema
De onde se parte
Para qualquer viagem
O sol das laranjas
Na página verde onde brilha
O sol das laranjas,
As danças do vento recortam o azul
Enquanto um pássaro chilreia a inquietação
Por entre um poema de versos
Brancos a transbordar de abelhas.
O canto nasce do silêncio.
O linho das palavras
Resgatar o barro que a fundura cala;
Provar a flor da pedra
E o lume das cinzas.
Beber o mar em cada fonte
E tecer o mundo
Com o linho das palavras.
Uma ideia de mar
Um coração imenso
Numa concha de terra.
Um desfile de flores que exaltam o sol
Pelas alamedas do vento
E se incendeiam numa praia de beijos.
Diálogos
A silenciosa coreografia
Do instinto na vertigem dos voos
Que a terra respira;
No imóvel desafio de asas
À crispação do tempo;
No deslizar suave pelas encostas azuis
Dum céu ondulado de horizontes verdes.
Sobre o cais, sereno, um diálogo
De asas e de vento exalta a eternidade
Em cada instante.
Apenas mar
Apenas mar.
Apenas uma sílaba.
Poema sóbrio, exemplar,
Que escrevo na página do olhar,
E em cada dia,
Tão pequenino,
Ouso soletrar.
A palavra exacta
Uma palavra que brilhe para além
Das suas prosaicas fronteiras;
Que ateie a fogueira dos espíritos
E amanse os ventos que a governam.
Que a sua música desperte
A graça de quem ouve e o seu silêncio
A musa de quem lê.
Uma palavra nua e pobre;
Liberta do jugo da retórica;
Que seja semente e flor e fruto,
E apenas se cumpra.