As ameijoas e o olhar na ria de Alvor
O mapa de indícios e não de evidências é um método para prolongar o olhar. Os imbecis olham rápido para uma coisa e dizem: aqui não há nada que possa ser pensado. O sensato olha longamente. ( Gonçalo M. Tavares – breves notas sobre literatura bloom).
São muitas as maneiras de apanhar as saborosas ameijoas. De entre todas, distingo a que do mariscador exige particular jeito e vocação; veia que apesar de não ser rara, é na sua apurada expressão privilégio de poucos
Refiro-me à apanha pela percepção do olho do bivalve, e do desafio que as inúmeras maneiras como não se revela, constitui para quem disso faz ofício.
O acompanhamento e conhecimento dos que nesta tarefa se empenham, e se distinguem, levaram-me a este pequeno texto.
Neste lugar, por imperiosas razões, houve muitos que a terra sujeitou e ao olhar obrigou. Nem todos a viram de igual modo.
Aos que a mostra animou, por indícios que espevitaram a vontade de a rever e perceber, há-de ao olhar juntar-se a mão, para com ela tentar aprender os sinais que a curiosidade elegeu.
Aos outros a quem o chão obriga, e dele se apartam por ligeireza no olhar e descuidado entendimento, deixa ao juízo diminuta medida para a arte..
A terra de que falo, é a que o mar corteja e navega para lá da linha de costa, encorajado por astral cumplicidade, que o governa no contínuo vai vem das suas águas.
A ela chegará parcela da sua inesgotável energia. À ria e ao mar emprestarão as águas geradas em serrano berço a criadora força da sua natureza.
Hão-de as marés caprichar na ria rara formosura, e nela esculpir o espanto dos olhares.
Quando a terra que a preia mar tomou, pela vazante ao mar devolve as suas águas, nasce nela larga e fértil nudez. Aí moram, entre outros, as ameijoas que à mesa trazem prazer único, e ao lugar conferem distinção.
Aguardam apenas que alguém traduza o seu disfarce, e lhes conduza a gastronómicos destinos.
Na ria, caminha cabisbaixo alguém que do olhar retira abreviada notação. Baralha-o a escassez das evidências; a mão e a sachola preguiçam; são vítimas da ligeireza do olhar; na vasilha, apenas o pouco que a inépcia permitiu.
O tempo, recheado de elementos que as ocultam, exige mais do que ele pode dar.
Não muito longe, conduzido por invulgar agudeza, há outro olhar que à mão impõe frenética cadência.
Não o conduzem categóricos sinais. Não lhos concede o tempo por impróprio à fácil amostragem.
Transforma, por isso, a prova exígua e disfarçada em incentivo, e com a teimosia do olhar descobre nos indícios e na sua ténue expressão, apenas outro modo de serem percebidas.
Os quadros são inúmeros. Cabe aos que a virtude nomeou, neles descobrir a expressão da ilusória ausência, e preencher de inigualável sabor a mesa dos que o privilégio agrupará.
Farão seus os segredos da terra, os que a olham longamente.